Com melhoria na qualidade, carne bovina brasileira pode chegar longe

O crescimento populacional nos próximos dez anos traz alguns desafios, um deles é a demanda por alimentos. Tal busca pode colocar o Brasil como o maior exportador de carne e genética do mundo, uma megatendência apontada em trabalhos do Centro de Inteligência de Carne Bovina (CiCarne) da Embrapa, em parceria com o Mapa. Isso, igualmente, exige transformações nesse setor produtivo, como certificação, rastreabilidade, qualidade da carne e conhecimento. 

“O mundo vai precisar de comida e temos que ser eficientes. No Brasil temos água, clima favorável, muita tecnologia no campo (dentro da porteira), então qual produto tenho que colocar no mercado e a que custo?”, indaga o economista Thiago Bernardino, do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP). Uma das respostas é agregar valor à mercadoria, à venda em alguns mercados e saber oferecer para outras praças. 

Dessa forma, segundo o pesquisador, é possível atuar fora da porteira “sem brigar com o preço da arroba do boi”. Ele conta que, em São Paulo, há produtores rurais recebendo R$ 215,00 por arroba, com genética, nutrição, manejo e sanidade de qualidade. O que diferencia é o padrão do produto, e a ênfase que “não é comum esse valor, atualmente. Comum é balcão, esse produto é padrão”. Apoiado em outra reflexão do CiCarne, ele ratifica que muitos pecuaristas não conseguirão se adaptar a essa realidade e, certamente, deixarão a atividade agropecuária. 

“É possível atuar fora da porteira sem brigar com o preço da arroba do boi”, afirma Thiago Bernardino, economista (Cepea-ESALQ/USP). Foto: Embrapa

Políticas públicas conectadas aos desafios

Para os produtores interessados ​​e preparados para continuar, há políticas públicas federais, como o Plano ABC+; estadual e até municipal à disposição. Em Mato Grosso do Sul, o Governo do Estado foca em segurança alimentar a fim de transformar MS em uma potência agroalimentar, por meio da agroindustrialização. 

“Lembrem-se, senhores, que a população do mundo deverá crescer 2 bilhões nos próximos 10 anos, com um crescimento concentrado, principalmente, na Ásia. Essas pessoas vão precisar de comida e nós temos hoje as condições de atender a essa demanda que já se configura”, afirma o secretário Jaime Verruck da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc) do Governo de MS. 

Dentre as políticas públicas para o Agro e áreas afins, ele cita o Plano ABC+, o Programa Bioinsumos, o ProSolo, o BioGás, a valorização dos ativos ambientais, o Precoce MS, a Carne Sustentável e Orgânica do Pantanal MS, o Plano Estratégico do PNEFA – área livre sem vacinação, o ProLeite e outras. Entretanto, apresenta o projeto estratégico “Estado Carbono Neutro” como um dos destaques, hoje, do Estado. 

A fim de contribuir com o alcance dos objetivos do Programa Estadual de Mudança Climática – Proclima, o Estado Carbono Neutro atua no manejo e conservação de solo e água, nas práticas agrícolas sustentáveis, na pecuária de baixo carbono, no desmatamento ilegal zero, na energia renovável e na análise do CAR, com adequação ao Código Florestal. 

Verruck reforça que para a pecuária, a certificação, a rastreabilidade e a sustentabilidade são caminhos sem volta e para isso, cada vez mais, será preciso investir em Ciência, em conhecimento. Assim como seguir critérios de governança estabelecidos pelo tripé ESG, critérios do mercado internacional. 

No Estado, entre 2008 e 2020, houve uma redução de 14% no rebanho e 5% no volume de abates e um aumento de 6,5% na produção de carne bovina, “isso demonstra que estamos aumentando a nossa produtividade, o peso, além de estar encurtando o ciclo. Isso é fruto do avanço em gestão, manejo de pastagens, nutricional e melhoramento genético”. 

Pecuária sustentável e de baixo carbono

Em consonância com Verruck e Bernardino, o pesquisador Roberto Giolo, da Embrapa (Campo Grande-MS ), argumenta que as megatendências aí estão e muitos pecuaristas ainda não estão atentos às pequenas e boas práticas, principalmente, aquelas relacionadas à sustentabilidade dos sistemas e que impactam em tais apostas. 

Entre eles, cita os sistemas integrados de produção, como lavoura-pecuária, lavoura-pecuária-floresta e lavoura-floresta. “A facilidade do trabalho é a pecuária”, brinca o especialista da Empresa. Uma das saídas, de acordo com Giolo, são os protocolos que certificam a carne bovina oriunda de sistemas de produção em condições de manejo que asseguram a neutralização ou compensação dos gases de efeito estufa, emitidos pelos animais durante o processo produtivo. 

O pesquisador e uma equipe da Embrapa são responsáveis ​​pelas marcas-conceito Carne Carbono Neutro (CCN) e Carne Baixo Carbono (CBC), protocolos alinhados às principais demandas internacionais, como 4 pour 1000, Objetivos Sustentáveis ​​(ODS) da ONU e ESG; e nacionais, como o Plano ABC+, Boas Práticas Agropecuárias – bovinos de corte (BPA), Precoce MS e CAR. 

Diante disso, destaca o projeto “Estado Carbono Neutro” e ressalta que “MS foi o primeiro Estado a desenvolver uma política pública voltada para carbono e pecuária. Há tecnologia, há conhecimento e há incentivo, o resto é tomada de decisão”, considera. Ele só lembra que há países que desejam a trabalhar nessa temática e na disputa pelo mercado, como a Austrália, que até 2030 pretende ter toda a carne vermelha produzida no País em carbono neutro; ou o Reino Unido que busca algo semelhante até 2040.

Mais uma vez, Bernardino enfatiza: “a gente não controla o preço da arroba, mas a qualidade e o que podemos oferecer para o mercado”.

Thiago Bernardino, Jaime Verruck e Roberto Giolo participaram do painel de abertura “Panorama da pecuária de corte no Brasil” durante o 6º Simpósio Repronutri, que aconteceu nos dias 12 e 13 de setembro, em Campo Grande-MS. O evento é um fórum de discussão, bianual, com temáticas relacionadas à reprodução, genética, produção e nutrição animal. A edição 2023 contou com mais de 600 inscritos. 

Fonte: Dalízia Aguiar/Embrapa

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